domingo, 30 de novembro de 2008

Olhar contemplado

Aquele olhar… Vago e denso, invadido pelo silêncio da reciprocidade alheia, aquele que monologa monotonamente numa placitude tão despida e coabitada. Aquele misterioso e risonho, que devaneia nos seus sonhos interrompidos mesmo que seja impedido de ser visto. Infinito e determinado, repleto de angústias e anelos na esperança de ser rememorado assiduamente. Aquele que patenteia um carrossel de emoções, percorrendo aquele passado tormentoso e tão enfeitiçado coberto de peripécias distendidas. Aquele incerto e sensato, presenciando a suspeição de um destino tão endereçado, desconfiado e apreensivo, capturando reflexos atrozes daquele lago tão límpido e puro. Aquele que solta gargalhadas melodiosas emitindo sons suprimidos e que verte lágrimas arruinadas capazes de despedaçar qualquer asfalto. Acanhado e sedutor, meliante nos momentos mais peculiares e excêntrico naqueles ápices tão singelos, possuidor de recessos invulgares, de espaços nunca divagados e curioso pelo que é incógnito. Aquele cheio de ternura e menosprezo, que faz acercar qualquer ser e arredar qualquer iniquidade e que na ardência de um momento singular, arrefece o que se intercede inesperadamente. O que verbaliza as mais mudas visões, o que reflecte os mais indecifráveis entendimentos e o que ampara as mais duras sensibilidades.


sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Sequestrada paixão

És-me conatural, inerente ao meu ser enclausurado no teu pensamento distendido, sendo um fenómeno inato à minha fragilizada e robustecida alma, emanado de uma essência arrebatada que se manifesta sob um aroma inconcebível.
O meu fustigado e trivial pretérito esquecido remodela-se numa rara vulgarização que se faz flagelar no meu presente vivaz mas inalando a tua fragrância impetuosa, ele abala-se, extinguindo-se numa inalienável brisa.
Num presumível sintoma de infelicidade, o teu vulto vem ao meu encontro deslumbradamente e com as tuas sedutoras palavras proferidas, evitas que o meu corpo se arrefeça, incapaz de criar uma ruptura nas nossas díspares personalidades.
Uma imagem patenteia o nosso irredutível ardor e faz-nos embeber numa fantasia com o impacto da realidade transcendente e, assim nos torna tão contíguos, recorrendo às evidências de uma natural e minimizada percepção, pois os nossos seres imperfeitos torna-nos num perfeito enlaço.



quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Pedaços de uma particularidade

Num devaneio com que me deparo constantemente, na expectativa de obter novas réplicas das respostas que à partida já concebo, tento imergir na ausência da tua essência perdida, embora com a tua fragrância avivada, o intuito de desfragmentar essa singularidade que nutro por ti, distribuída em pequenas pluralidades infinitas. 
Desde que te foste e apesar de por vezes não conseguir progredir sem ti, deixei de viver na penumbra e rendi-me à voz da saudade, tornando-a esbatida sempre que quisesse revelar-se. Enquanto caminho e inovo sem ti, uma brisa por vezes vem ao meu encontro, sem qualquer entendimento e faz-me rebolar no meio de impressões voluptuosas e perturbações lascivas e, é aí que vivo num delírio, circulando num espaço vazio e nebuloso, sem a tua comparência vincada. 
Com a minha audácia vazia e cheia de nada, finalmente consegui colocar uma fractura na ilusão do nosso amor olvidado, tentando fazer com que o esquecimento ténue siga a sua rota bem desviada da minha e que num suspiro meu e lamentação minha, se despeça de mim.
Sintetizando tudo o que passamos juntos, actualmente, os meus pensamentos deixaram de ficar enclausurados à reminiscência do nosso desfecho desarmonizado e desafinado. Essa recordação desapareceu aos poucos e tornou-se num mero fragmento de anseio, delineado num pretérito extinto. 







quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Outono

Perante a invisibilidade e a translucidez das minhas passadas acarretadas de perplexidades outonais, antevejo o trajecto excessivamente preguiçoso de uma humilde folha ao cair numa calçada tão vigorosa e tão rude. Embora todos os sons estivessem minimizados, ouvi o estrondo que a mesma fez quando a sua ramagem a soltou como vestígio de abandono. O vento insuflou-a até mim, fazendo-a percorrer tropeçando naqueles pedregulhos mais salientes e com que os seus delicados contornos fragilizados se pudessem estilhaçar. Voou, saltitou e tomou o rumo que ouvira do assobiar da ventania. Embarcada numa rota tão desenhada inicialmente, amedrontada, guarneceu toda aquela impaciência desorientada embora indesejavelmente e por fim, pousou de um jeito deleitoso e terno no meu ombro, depois de tanto deambular. Dourada e amadurecida, possuidora de uma elegância indiscutível, segregou-me o quão enfadada estava de jornadear com as suas condiscípulas hirtas. Pediu-me para pontapeá-la com a finalidade de ficar aquém de todos os seus receios longínquos e envelhecidos pois já era tempo do seu percurso ter-se extinguido. Tenebrosa mas aliviada, presenciei toda a sua atenuada decadência, a demorada queda e a despedida prisioneira, na ânsia de a encontrar num futuro abreviado.


terça-feira, 4 de novembro de 2008

Calor ensopado

Nos arrefecidos salpicos de água que a maresia liberta quando se desfecha contra as falésias ou quando se envolve no areal, encontra-se uma chama ardente inapta de se extinguir, embora uma aragem aprazível tente vir ao seu encontro, em busca de um recolhimento, não consegue apagar tal imagem eloquente.
No ardor de uma brasa ainda incendiada, varro as minhas lágrimas vertidas e incandescentes num presente caloroso, o meu âmago desfaz-se em prantos até fazer-se inundar, encharcando os meus despidos sentimentos desvalidos.
Na brisa fresca que se desmancha em pequenos sopros inquietantes, a minha reminiscência vislumbra-se num espelho lascado, emitindo uma fogueira abolida por um mar de vozeamentos ruidosos, pertencentes a uma canção arrepiante e euforicamente interpretada. Nas analepses rejuvenescidas que o meu entendimento leva até mim, bailo ao som de uma melodia fastidiosa e monótona, saboreando a reprodução de cenas agrilhoadas entre si e na verdade, não há água que faça afugentar a efervescência da minha murchada essência esvaziada que, num plural de tempos, escassear-se-á quando se embeber num mar gotejado de pingos esquentados.